sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Deserto verde ameaça terras piauienses

* Matéria que fiz para o jornal Tribuna do Piauí e publicada no site da Caros Amigos

A promessa de desenvolvimento com a instalação da Suzano Papel e Celulose no Piauí contradiz as reais necessidades da população


Não é possível enxergar no horizonte onde termina a plantação de eucalipto. A fazenda Calumbra, município de Elesbão Veloso, 159 km de Teresina, capital do Piauí, abriga nove mil hectares de extensos corredores de pés de eucalipto, o chamado "Projeto Florestal" da Empresa Suzano Papel e Celulose. Apenas algumas áreas das Matas dos Cocais, protegidas por lei ambiental, devido ao extrativismo do pequi, buriti, babaçu e carnaúba, foram preservadas.

Contraste com a realidade

Enquanto 41% da população piauiense ainda é afetada pela fome, de acordo com pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Suzano, ao todo, já possui 160 mil hectares do território do Piauí, o mesmo que 1.600 km², o que corresponde a 1,57% de terras piauienses transformadas em “florestas” de eucalipto. O eucalipto não serve de alimento nem para o ser humano, nem para os animais. As plantações formam um verdadeiro deserto verde, utilizado para a produção de toneladas de papel e celulose, voltados, sobretudo, ao mercado internacional.

Além disso, de acordo com estudo realizado pelo Departamento de Ciências Naturais – DCN – da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB – árvores de crescimento acelerado, como o eucalipto, dependem de grande quantidade de água para se desenvolver e por isso provocam o secamento do solo, diminuem os mananciais e aumentam a possibilidade de desertificação dessas regiões. Sendo assim, a instalação da Suzano mais uma vez contradiz as reais necessidades da população do Piauí, já que o estado sofre, praticamente todos os anos, com os efeitos da estiagem. Só no início deste ano, mais de 155 municípios declararam estado de emergência por causa da seca, alguns deles tiveram a safra comprometida em 90% por falta de água.

Impactos ambientais

Outro grande problema está relacionado às várias trilhas de devastação que separam os módulos da plantação do eucalipto. O apodrecimento dessa madeira oriunda do desmatamento, exposta no campo, produz metano, um gás tóxico, perigoso ao homem e ao meio ambiente, além de degradar o solo. Porém, a empresa se nega a encontrar um destino menos poluente para essa madeira.

Essa é uma das exigências apresentadas pela Rede Ambiental do Piauí (REAPI), que vem tentando negociar com a Suzano desde que ela chegou ao estado. Na tentativa de evitar grandes impactos ao meio ambiente e à sociedade, diante do descaso do Governo do Estado, os ambientalistas abriram um campo de diálogo, diretamente com os representantes da empresa, com a intenção de convencê-los a cumprir 11 pontos de pauta que amenizassem o cenário de devastação.

Quem deveria cumprir esse papel era o Governo do Estado, e não as Organizações Não-Governamentais. Entretanto, o governo de Wellington Dias (PT) e Wilson Martins (PSB) não foi só omisso, como abriu as portas do estado e ofereceu todos os benefícios, como a isenção de impostos, para que a Suzano explorasse, da forma como quisesse, os “recursos” naturais e humanos do Piauí.

“Tivemos três reuniões e colocamos 11 pautas de reivindicações. Acontece que não fechamos esse acordo porque a Suzano ainda não quis negociar dois importantes itens, quanto ao destino dado à madeira do desmatamento e a análise periódica da água do Rio Parnaíba que eles utilizarão no projeto. Essa análise seria feita pela REAPI e mandada para o Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, com despesas pagas pela empresa. Nós, da REAPI, não vamos abrir mão desses itens, e se eles não cumprirem apelaremos para a Justiça”, enfatiza Tânia Martins, representante da rede.

Com relação à madeira, a Suzano alega que está com dificuldades para encontrar quem a compre. Quanto à água, eles argumentam que não podem negociar ainda, porque ela será consumida apenas quando for instalada a indústria, em 2014. Essa análise constante da água se faz necessária, já que as fábricas de celulose promovem um uso abusivo de água potável, além de lançar resíduos nos rios.

Os detritos lançados nos rios contribuem para a contaminação do lençol freático. Ocorre também a contaminação do solo pelo uso intensivo de agrotóxicos, que se transfere para córregos, riachos e rios. De acordo com relatos de trabalhadores rurais do município de Elesbão Veloso, que prestam serviços terceirizados para a empresa, alguns animais já morreram com o veneno colocado junto com a aplicação do adubo.

Sem pensar no futuro

Mesmo com todos esses impactos, a população que mora próxima às grandes plantações de eucalipto estão contentes com a chegada da Suzano Papel e Celulose. Um jovem, de nome Fábio, do assentamento Bebedouro, do município de Elesbão Veloso, todos os anos viajava a São Paulo para trabalhar no corte de cana, na época da colheita. Além de ter que se afastar da família, o pagamento era feito de acordo com a produtividade de cada trabalhador.

Agora Fábio está satisfeito com o novo trabalho. Ele presta serviço à Suzano, através da J.F. Sousa Serviços. No final do mês recebe um salário mínimo, o que ainda não é o suficiente, e trabalha perto de casa, das sete da manhã às quatro da tarde, fazendo pique, trabalho braçal pesado de demarcação das áreas a serem desmatadas.

Assim como Fábio, todos os trabalhadores contratados são terceirizados. Dessa forma não possuem vínculo direto com a empresa, ela não precisa se preocupar com a garantia dos direitos trabalhistas e os trabalhadores não têm nenhuma perspectiva de contratação futura, após a finalização da fase de desmatamento, adubação e plantio, já que a colheita é feita com o uso de máquinas.

Ainda assim, as famílias, tanto do assentamento Bebedouro quanto do Caraíba, deixam bem claro que elas não estão muito preocupadas com o futuro, pois antes não possuíam nenhuma fonte de renda, a não ser o que conseguiam através do extrativismo. Pensam apenas no agora, na sobrevivência do dia-a-dia.

Devido à inexistência de uma política realmente comprometida com a população do campo, essas famílias vêem a instalação dessas empresas como uma alternativa, sem qualquer preocupação com o impacto da monocultura e com as gerações futuras.

Isso se reflete na fala do presidente da Associação do Assentamento Caraíba, Antônio Avelino. “Já tem bastante gente daqui empregada, são três assentamentos, quase todo mundo trabalhando. Tem tudo, é direitim, o negócio é bem-feito, está todo mundo gostando. Muita gente disse que era ruim pra gente, porque as árvores que tem perto iam tudo embora, mas nem isso eu acredito que seja ruim. Eles ainda fizeram a proposta de alugar as terras por sete anos, arrendar 50% da área, 608 hectares. Eles fazem todo o serviço, quando fizerem a colheita pagam todas as contas, aí o lucro é dividido”, relata.

A Suzano pretende arrendar 50% das terras dos assentados, sob a alegação de que os trabalhadores rurais não gostam de trabalhar com a agricultura familiar e apenas querem saber do extrativismo. Entretanto, as famílias da região plantam arroz, feijão, mandioca e milho para a subsistência. Só não ampliam a produção pela falta da aplicação de políticas voltadas para a agricultura familiar, que deveriam ser desenvolvidas pelo Governo do Estado.

Por isso Antônio Avelino considera que a proposta feita pela Suzano poderá ser um bom negócio, mesmo sem a certeza de quais substâncias são utilizadas para adubar o solo, e se aquela terra, depois de sete anos sendo utilizada para o plantio de eucalipto, não estará improdutiva. “Eu num sei se mais tarde vai ter algum problema. Melhor do que ficar parado. Sete anos eles tiram a primeira safra, depois vão plantar de novo. A gente num pensa pro futuro, só no presente”, destaca.

Falsa promessa

Por outro lado, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Elesbão Veloso, Sebastião do Nascimento, explica que isso também acontece porque ainda não foi possível a população sentir os impactos ambientais e sociais com a instalação da Suzano. “O campo de plantação é muito bonito, mas só com o tempo é que a gente vai sentir. Algum impacto já dá pra sentir agora. Por conta do desmatamento, os bichos não estão mais ocupando aquela área. Eles estão comprando tudo em volta o que for bom pra eles. Eles tão deixando umas reservas de mata nativa, mas fora da reserva eles tão levando tudo”, relata.

De acordo com o representante do sindicato, nem Suzano nem o governo cumpriram com as promessas de desenvolvimento. “Eles prometeram que iam voltar aqui para mostrar o resultado, mas ainda hoje a gente aguarda. Hoje a gente se pergunta e não tem resposta. A promessa da empregabilidade não foi garantida. Eu não queria ouvir só as promessas, mas a resposta em cima das dúvidas. Trabalhar é um direito de cada um de nós. Alguns trabalhadores já foram dispensados, os que esperaram perderam tempo, todos ficaram com as mãos na cabeça. Hoje está todo mundo subindo e descendo, sem ter um lugar certo para trabalhar”.

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