sábado, 21 de novembro de 2009

“Ler e escrever são formas de subversão”

Depois de ter abandonado o meu blog por algum tempo, resolvi voltar a ativa. Para reiniciar esse trabalho parado que voltou a andar , resolvi resgatar uma matéria que fiz em julho deste ano sobre os cursos acompanhados pelo MST através de verba do PRONERA.

“Ocupar terra não é só eu ter um pedaço de chão é ter as condições dignas de se viver. É ter escola. Mas que escola? A gente não quer só um espaço onde possa ter uma sala de aula”. Com um forte sotaque pernambucano, Ana Emília, acompanhante pedagógica do Movimento Sem Terra (MST), contesta o atual modelo educacional das escolas e universidades e explica que o movimento vem construindo há 25 anos uma política de educação no campo.

Os cursos, acompanhados pelo MST, através do PRONERA (Programa Nacional de Educação para Reforma Agrária), se adequam metodologicamente a realidade do homem do campo. Como o primeiro curso de Licenciatura em Artes, com abrangência nacional, desenvolvido pelo movimento, em parceria com a Universidade Federal do Piauí (UFPI). Ele é considerado nacional porque participam estudantes do Brasil inteiro: Rio Grande Sul, do Paraná, Espírito Santo, São Paulo, Bahia, Sergipe, Pernambuco, Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, Alagoas e o Pará.

A segunda etapa desse curso está ocorrendo agora em Teresina e terá duração de dois meses. A primeira ocorreu entre março e abril do ano passado. Apesar do longo espaço de tempo entre um período e outro, a carga horária é a mesma da UFPI. A diferença é que a graduação se estrutura com base na pedagogia da alternância.

A pedagogia da alternância

Ana Emília explica que, para o trabalhador rural existe uma outra dinâmica que tem que ser vivenciada e tem que ser respeita. Por exemplo, dentro dos ciclos agrícolas, como é que você vai tirar o trabalhador da época do plantio, pra poder botar ele na escola? “Ou ele deixa de plantar ou ele deixa de estudar. Não da pra a gente ser tão: ‘Isto, isso, ou aquilo’. Daí a gente incorpora toda uma discussão dessa dialética, dessa compreensão maior. O trabalhador, o agricultor ele precisa trabalhar pra a gente ter o que comer, pra quem está na cidade também ter que comer. Mas, ele também precisa vivenciar a escola”.

O tempo escola


Portanto, a pedagogia da alternância passa por essa dimensão dos tempos, o tempo escola e o tempo comunidade. O primeiro, é o momento vivenciado, intenso, a partir dos módulos, correspondente a carga horária de um período. Os alunos assistem aulas de manhã e de tarde. A noite eles participam de um processo de organização interna. “Nas áreas de assentamento e acampamento estamos organizados a partir de núcleos de famílias, brigadas e regionais, dentro de um processo democrático, onde tem as representações e tudo. No curso a gente trás essa mesma dinâmica para ser vivenciada”, esclarece.

Nesse curso possuem seis núcleos. Em cada um deles, os estudantes tiram uma pessoa pra coordenar, outra para fazer relato dos debates dentro do núcleo, que é o processo de leitura e de estudo, e outras que vão participar das equipes que vão construir a gestão do curso. “Então, eles também são responsáveis pelo todo do curso, e esse é um processo de formação muito maior, que aí você não tem só a escolarização do saber, ler, escrever e aplicar a técnica. Eles passam a construir as dinâmicas, a coordenação do curso e a participar da gestão”, complementa.

O tempo comunidade


O tempo comunidade é para além de pensar no ciclo agrícola e do trabalho. Ele serve para o exercício da prática. Ana Emília explica que os alunos vão associar todo um processo de conhecimento. Os alunos levam diversos textos para ler, realizam intervenções dentro da comunidade e voltam com trabalhos de pesquisa, a partir dessas vivências.

“A gente sempre trabalha com essa relação, teoria e prática, teoria e prática permanente. A partir do olhar da realidade, eu detecto um problema. Quando eu tenho uma teoria que pode me ajudar a enxergá-lo, então posso voltar com outras possibilidades de leitura sobre o problema da minha comunidade”, argumenta.

O corte na educação

Segundo Ana Emília, a demanda de acampamentos e assentamentos é permanente, pois todo período tem mais gente mobilizada no Movimento Sem Terra. Só no Pernambuco, são mais de 40 mil famílias assentadas. “Se você tem esse número de famílias, quantos jovens, adultos, crianças, vão precisar vivenciar a profissionalização”?

Nesse embalo, Emília ainda questiona: por que do corte de 72% no orçamento do PRONERA? Por que o poder público se utiliza da burocracia para coibir a contratação de novos projetos? E responde em seguida: “Porque assim, cancelam um processo de formação contínuo da classe trabalhadora e, muito mais, do homem do campo”.

Devido a isso, no dia 8 de junho, o MST fez uma mobilização nacional. Foram feitas ocupações dentro dos INCRAS, tanto pelo corte, quanto pela pressão para a contratação dos projetos de novos cursos que já estão articulados. “Lá no Pernambuco a gente fez uma ocupação escola. Porque ocupar não é só o ato de chegar lá, sentar e tomar um prédio. Que debate a gente faz? Qual é a nossa pauta para com essa instituição? Então a gente foi lá, montou uma sala de aula, levou quadro, levou caderno, levou cadeira e discutiu essas questões”.

“Ler e escrever são formas de subversão”

“Uma vez saiu uma reportagem muito ácida dizendo: ‘Como é que gente da mão grossa quer ser doutor? ’. É negado o tempo todo à classe trabalhadora o direito de viver a educação no Brasil. É esse o embate que a gente sofre. Existe uma luta de classe imposta e é esse o nosso papel, superar essa relação”.

A pernambucana diz ainda, que a criminalização do MST afeta diretamente o campo educacional da base do movimento. “À classe trabalhadora, nunca foi dado o direito de escrever sua história, então ler e escrever é uma forma de subversão. E aí, arcar com o impacto disso, é muito forte. Fazer Reforma Agrária não é fácil”.


Um comentário:

Raimundo de Castro disse...

A pedagogia da Alternância é uma excelente metodologia, trabalho com ela e me orgulho muito disso.